Tendência Autônoma Feminista
9 min readMay 5, 2021

Feminismo radical e a crítica à Teoria Queer: Abolição de gênero, não reforma!

INTRODUÇÃO

Em Brasil, ano 2021, vemos como a teoria Queer de origem estadunidense, universitária, e pós-moderna ganhou força dentro das universidades brasileiras e também na periferia. Analisando de forma clara e simples, esse fenômeno se deu por conta de uma massificação rápida do identitarismo com apoio da mídia capitalista e neoliberal que desde o final do século XIX tem colocado seus tentáculos destruindo a luta materialista das mulheres, que por décadas lutaram contra o sistema opressor patriarcal pautando a unidade de classe sexual, a luta classista e abolicionista.
A compreensão de que o capitalismo tem poder real sobre nossas vidas, nossos costumes, ações, referências e reflexões é muito necessária, para se entender como produto histórico e que somos parte de uma comunidade, povo e de uma classe econômica. Assim se dá a leitura da classe sexual feminina, porém se baseando nas condições que colocam as mulheres como submissas, por conta da capacidade reprodutiva e a domesticação através do patriarcado, para sermos cuidadoras de toda sociedade e do homem através do Estado e da família nuclear conseguiram seu controle máximo sobre nós globalmente.

“ ... É muito interessante a ideia defendida por Lerner de que os homens “treinaram” para escravizar outros povos começando com suas mulheres...” - A Criação do Patriarcado

As mulheres (fêmeas humanas adultas) tem como princípios de sua opressão o controle sexual e reprodutivo que difere dos homens que enxerga somente a divisão de classes na sociedade se baseando na economia, propriedade privada etc. Mas a mulher se tornou uma propriedade advinda da domesticação feminina treinando-as como escravas, dando origens a várias formas de dominação, como por exemplo o capitalismo. Mas o desenvolvimento do patriarcado é a parte mais significativa, e não seu início, mas como escrever e entender a história das mulheres se não voltarmos nos primórdios da civilização? já que nossa opressão existe há 6 mil anos, sendo apagada e deturpada pelos homens até os dias de hoje. O sistema patriarcal no seu início precisou destruir divindades femininas, foram apagadas da história substituindo-as por divindades masculinas onde a mulher se torna ou a “mãe” ou a “prostituta”, e é dessa forma que os homens nos enxergam e medem até hoje.

A seguir algumas palavras da Gerda Lerner no seu livro “A origem do Patriarcado” sobre o apagamento do registro histórico de metade da humanidade:

“ Embora as perguntas sobre a “origem” me interessassem a princípio, logo percebi que eram bem menos significativas do que as perguntas a respeito do processo histórico pelo qual o patriarcado se estabeleceu e se institucionalizou. Esse processo manifestou-se na organização familiar e nas relações econômicas, na instituição de burocracias religiosas e governamentais e na mudança das cosmogonias, expressando a supremacia de divindades masculinas … Assim, o registro gravado e interpretado do passado da espécie humana é apenas um registro parcial, uma vez que omite o passado de metade dos seres humanos, sendo portanto distorcido, além de contar a história apenas do ponto de vista da metade masculina da humanidade. Rebater esse argumento, como costuma ser feito, mostrando que grandes grupos de homens, possivelmente a maioria, também foram eliminados do registro histórico por muito tempo devido a interpretações preconceituosas de intelectuais que representavam os interesses de pequenas elites é desviar da questão. Um erro não anula o outro; os dois erros conceituais precisam ser corrigidos. Assim como grupos antes subordinados, tal como camponeses, escravos e o proletariado, alcançaram posições de poder – ou pelo menos de inclusão – na organização política, suas experiências devem se tornar parte do registro histórico. Ou seja, com relação às experiências dos homens daquele grupo, as das mulheres, como sempre, foram excluídas. A questão é que homens e mulheres sofreram exclusão e discriminação por razões de classe. Mas nenhum homem foi excluído do registro histórico por causa de seu sexo, embora todas as mulheres o tenham sido”.

Sobre a destruição das deusas e a substituição do deus masculino nas sociedades do oriente:
“O destronamento de deusas poderosas, sendo substituídas por um deus masculino dominante, ocorre em quase todas as sociedades do Oriente Próximo após a instituição de uma monarquia forte e imperialista. De forma gradual, a função de controlar a fertilidade, que antes cabia totalmente às deusas, é representada por meio da cópula, real ou simbólica, do deus masculino ou Deus-Rei com a Deusa ou sua sacerdotisa. Por fim, a sexualidade (erotismo) e a procriação são separadas com o surgimento de deusas específicas para cada função, e a Deusa-Mãe transforma-se na esposa/cônjuge do Deus masculino principal ... O surgimento do monoteísmo hebraico toma a forma de um ataque aos cultos difundidos a várias deusas da fertilidade. Ao escrever o Gênesis, a criação e a procriação são atribuídas ao Deus onipotente, cujos epitáfios “Senhor” e “Rei” o estabelecem como um deus masculino; e a sexualidade feminina, a não ser para fins de procriação, passa a ser associada ao pecado e ao mal”

A partir desse breve panorama podemos ir para um segundo ponto da análise do Feminismo Radical que é a origem e as consequências do gênero, que na análise histórica da luta pela emancipação feminina precisa ser abolido, e não reformado. Por outro lado tem uma visão totalmente antagônica do gênero, que chamo de liberal e reformista, sendo assim anti-feminista, já que destrói totalmente a leitura das fêmeas sob sua própria condição. As duas visões não misturam elementos, sendo assim, são polarizadas e destoantes entre si.

GÊNERO SOB A ÓTICA LIBERAL:

“Gênero é uma escolha, ou gênero é um papel, ou uma construção que alguém usa como alguém veste roupas de manhã, na qual existe um “alguém” que é prioritário em relação a esse gênero, um alguém que vai até um armário e decide deliberadamente que gênero será hoje” - Judith Butler

Essa frase é da Judith Butler, teórica queer bastante citada pelos liberais, que demonstra claramente o individualismo quando se trata do gênero, de como sozinha/o vamos mudar o “binarismo” de gênero, e se criticamos essa análise as pessoas ficam pessoalmente ofendidas, porque não é um movimento político, se quer se propõe, é o individualismo máximo que pode se experienciar. É acreditar que “sair” da forma “binária” de gênero vai está ajudando com a destruição do mesmo, ou acha que só porque não se comporta conforme o “binarismo” de gênero de alguma forma está “subvertendo a ordem”. Chamado frequentemente de identidade de gênero, é uma percepção subjetiva de cada pessoa dentro do espectro masculino e feminino, que são chamados de neutros politicamente, colorindo melhor: gênero é uma escolha, um sentimento, uma roupa, uma maquiagem, o modo de se comportar, os estereótipos binários em um espectro maior, onde em uma ponta tem o masculino e na outra ponta o feminino e nesse meio tem outras possibilidades de se identificar.

Mas gênero não é politicamente neutro, gênero é sistema de poder, é uma forma de dominação de metade da humanidade sobre a outra, muito longe de ser uma identidade, é como os homens controlam as mulheres. Pois bem, dois erros drásticos nessa análise, primeiramente gênero não é um binarismo, e sim um sistema opressivo do macho sob a fêmea, segundamente tratando o gênero dessa forma, coloca que a mulher escolhe ser oprimida porque não subverteu a ordem e se mantém nas condições de mulher “CIS” na sociedade! Sobre esse termo (CIS) podemos mais uma vez afirmar que a teoria queer coloca a fêmea como uma privilegiada e autônoma de sua posição, mas que privilégios tem a mulher socializada dentro do heteropatriarcado, aprisionada pela construção da feminilidade sendo escravizada por milénios e negada de escrever sua própria história?.

GÊNERO SOB A ÓTICA DO FEMINISMO RADICAL

Simone de Beavouir diz no livro O segundo Sexo vol II:
“Ninguém nasce mulher : torna-se mulher . Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que se qualificam de feminino . Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro”.

O gênero é o instrumento que o heteropatriarcado criou para ditar como as fêmeas devem ser socializadas e qual seu objetivo na sociedade. Assim todas nós que nascemos com uma vagina desde o ventre já tem toda uma educação voltada para a feminilidade, submissão ao homem, para a maternidade, para o cuidado doméstico (cuidado com os filhos/as, organização e limpeza da propriedade, submissão ao marido na cozinha e na cama etc) além de ser exploradas pelos capitalistas e escravagistas de maneira sistemática, porque além da nossa força de trabalho, os homens exploraram nosso sexo, acarretando em estupros em massas durante a escravidão e mão-de-obra barata pro capital hoje. Importante destacar que as mulheres foram negadas o direito a terras e heranças desde as primeiras civilizações, sendo assim éramos no passado e somos até hoje uma das classes mais pobres e sem liberdade de vivermos sem a presença masculina, já que esses são donos das propriedades e utilizaram da heterossexualidade como domínio máximo do nosso corpo. Então ser mulher, não é uma escolha é uma realidade material baseada no nosso sexo, não temos poder individualmente de mudar isso, não é se isolando ou se negando como sujeito histórico de uma classe que o sistema irá cair por terra, a única forma de mudar essa realidade é de forma coletiva destruindo o gênero, abolir totalmente sua estrutura, acabar com os privilégios dos homens sobre as mulheres.

Em outra citação podemos analisar como funciona a socialização de meninos e meninas e sua diferenciação por sexo e a construção do Ser mulher:

“ ...Assim, a passividade que caracterizará essencialmente a mulher feminina é um traço que se desenvolve nela desde os primeiros anos . Mas é um erro pretender que se trata de um dado biológico: na verdade , é um destino que lhe é imposto por seus educadores e pela sociedade . A imensa possibilidade do menino está em que sua maneira de existir para outrem encorajam a pôr-se para si . Ele faz o aprendizado de sua existência como livre movimento para o mundo ; rivaliza-se em rudeza e em independência com os outros meninos, despreza as meninas . Subindo nas árvores, brigando com colegas , enfrentando-o s em jogos violentos, ele apreende seu corpo como um meio de dominar a natureza e um instrumento de luta ; orgulha-se de seus músculos como de seu sexo; através de jogos , esportes , lutas , desafios , provas, encontra um emprego equilibrado para suas forças ; a o mesmo tempo conhece as lições severas da violência ; aprende a receber pancada , a desdenhar a dor , a recusa as lágrimas da primeira infância . Empreende , inventa , ousa . Sem dúvida , experimenta-se também como "para a outrem" , põe em questão sua virilidade, do que decorrem , em relação aos adultos e a outros colegas, muitos problemas . Porém o mais importante é que não há oposição fundamental entre a preocupação dessa figura objetiva, que é sua, e sua vontade de se afirmar em projetos concretos. É fazendo que ele se faz ser , num só movimento . Ao contrário, na mulher há , no início, um conflito entre sua existência autônoma e seu "ser-outro" ; ensinam-lhe que para agradar é preciso procurar agradar , fazer-se objeto ; ela deve , portanto , renunciar à sua autonomia . Tratam-na como uma boneca viva e recusam-lhe a liberdade; fecha-se assim um círculo vicioso , pois quanto menos exercer sua liberdade para compreender , apreender e descobrir o mundo que a cerca , menos encontrará nele recursos , menos ousará afirmar-se como sujeito ; se a encorajassem a isso , ela poderia manifestar a mesma exuberância viva, a mesma curiosidade, o mesmo espírito de iniciativa, a mesma ousadia que um menino… “ - Simone de Beauvoir

Podemos usar como exemplo a luta do povo negro durante o periodo da escravidão e colonização, todos os grupos lutaram coletivamente e ainda resistem contra um inimigo, os brancos colonizadores. Esses povos se viam como um grupo oprimido e marginalizado por conta de diversas características físicas, geográficas e culturais. Então uma mulher branca que se declara negra, porque se identifica com a cultura afro,ou que gosta dos costumes afro, e que nega a cultura branca ela automaticamente é negra? Óbvio que não. E porque quando falamos de gênero se nega toda a história e vivência material de uma classe oprimida por aspectos físicos, culturais e geográficos da qual a mulher faz parte?

São questões bastantes óbvias mas compreendo do porque a teoria que podemos transacionar é encantadora para os/as jovens… é porque colocam nas nossas mãos o poder de mudar tudo, de mudar nossas opressões, mudar nossas dores, mudar rapidamente tudo que vivenciamos mudando de pronome e se declarando ser outra pessoa. Mas a luta política não é fácil assim, a luta política contra o sistema de gênero é antiga e coletiva, e vemos jovens destruídos pelo patriarcado, indo pro caminho onde o capitalismo junto com o patriarcado quer que ele vá, gastando seu dinheiro e tempo em indústrias farmacêuticas e mutilando seu corpo saudável para benefícios de médicos e indústrias.

Gritemos e não nos calaremos diante da pressão patriarca e capitalista de feministas radicais serem extintas do mundo, somos a resistência e a força diante do liberalismo e do idealismo de desconstruir o gênero a partir da escolha, bater de frente com o sistema é nosso dever como materialistas.

Escrito por:

Carol estevao

Tendência Autônoma Feminista

A Tendência Autônoma Feminista (TAF) é um coletivo de mulheres de orientação libertária que possui como objetivo construir a luta feminista revolucionária.